Disponibilidade Gratuita de Dados Hiperespaciais ou de Alta Resolução Espacial — uma tendência

Prof Gustavo Baptista
6 min readApr 17, 2021
Imagens de cor real do Jardim de Alah, RJ.

Dentre as grandes rupturas de paradigmas que vivemos nos últimos anos com dados de sensoriamento remoto, uma das mais expressivas foi a dos hiperespaciais, chamados também de dados de alta resolução espacial. O lançamento do Ikonos 2, em 24 de setembro de 1999 (Figura 1), foi o marco inicial dessa ruptura.

O Ikonos 2 era um sistema comercial da DigitalGlobe (inicialmente era Space Imaging Inc.) e inaugurou a era dos sistemas sensores orbitais de 1 metro que mudaram a nossa forma de lidar com dados orbitais.

Figura 1 — representação artística do Ikonos 2. Space Imaging Inc.

O Ikonos, apesar de ser um sistema de alta resolução espacial, apresentava 11 bits de resolução radiométrica e 4 bandas multiespectrais, cobrindo a faixa do visível e do infravermelho próximo (VNIR ou VIsible and Near InfraRed). Os dados multiespectrais apresentavam resolução espacial de 4 metros e a pancromática, 1 metro. Existia um produto chamado PSM ou PanSharpening Multispectral, que apresentava os dados multiespectrais com a banda pan fusionada, ou seja, as 4 bandas do VNIR com 1 metro de resolução espacial. Isso era uma tendência que se percebia já naquela época: os dados teriam alta resolução espacial, mas também apresentariam algumas faixas do espectro contempladas e com muitos níveis de cinza.

Como a minha pesquisa sempre foi voltada para a potencialidade de sistemas sensores, baseada nas resoluções espectrais e radiométricas, uma imagem de 1 metro de resolução espacial era um dado interessante. O que mais me encantava, no entanto, eram os 11 bits de resolução radiométrica, que aproximavam as cenas às cores reais, diferentemente das cenas Landsat TM5, nas quais o asfalto ficava roxo. Além disso, as 4 bandas cobrindo o VNIR permitiam aplicar, por exemplo, os principais modelos espectrais dos processos fotossintéticos.

Figura 2 — Imagem da estação rodoviária de Brasília, de 20 de abril de 2000. Composição cor real. Cortesia: Space Imaging Inc.

A percepção de que a forma de classificar deveria mudar surgiu, para mim, quando participei da primeira banca de doutorado sobre a utilização dos dados Ikonos 2 no Brasil, na Unesp de Rio Claro. Me chamou a atenção nessa tese uma aparente confusão na classificação temática pixel a pixel entre solo exposto e telhado de casas. Tecnicamente não se tratava de confusão, pois espectralmente os alvos são a mesma coisa, ambos formados por argila. O problema é que a telha tem forma, textura e outros elementos que a diferenciam do solo exposto, mas, com 1 metro de resolução, essas coisas são detalhadas, mas acabam sendo classificadas de forma igual. Foi aí que percebi que era necessário incluir os elementos de fotointerpretação na análise. Assim, surgiu a necessidade de segmentação e de classificação orientada ao objeto e essa é a ruptura paradigmática que esses dados representaram e ainda representam.

Novos sistemas orbitais surgiram, com resolução mais alta ainda, submétrica, e com uma diversidade de bandas, como no caso dos WorldView 2, 3 e 4. O problema é que o acesso é restrito, porque esses sistemas são sempre muito caros. Além disso, nem sempre contemplam a visada nadiral, o que muitas vezes dificulta as análises espectrais, principalmente em áreas densamente construídas.

De uns anos para cá, algumas iniciativas têm surgido para permitir ao usuário que não conta com recursos para aquisição de cenas possa desenvolver seu trabalho em escala satisfatória, com o nível de detalhamento dos dados hiperespaciais. Existem algumas opções disponíveis a custo zero, que permitem a utilização da alta resolução espacial, associada a resoluções espectrais e radiométricas satisfatórias.

Uma alternativa são os dados da Câmera Pancromática e Multiespectral (PAN) do CBERS 4. Esses dados são os mais trabalhosos, pois a pancromática de 5 metros não está geometricamente registrada com a multiespectral de 10 metros. Portanto, é necessário realizar primeiro o registro imagem a imagem entre os dados, para depois redimensionar os dados multiespectrais para a dimensão da pancromática, para finalmente realizar a fusão. Depois de toda essa ginástica, você percebe que, nos dados multiespectrais, não há a banda do azul e que, portanto, somente composições de falsa cor serão possíveis. Apesar disso, você tem um dado multiespectral de 5 metros de resolução espacial, com 8 bits de resolução radiométrica a cada 52 dias (resolução temporal), o que lhe permite trabalhar em escala de até 1:5.000. Esses dados podem ser acessados em http://www.dgi.inpe.br/catalogo/. Note-se, todavia, que esses dados são menos atrativos, pois apresentam baixa resolução radiométrica e, em termos espectrais, não permitem a investigação em cor real. Além disso, o longo período para a revisita exige uma busca por alternativas mais eficientes.

Outro dado disponível gratuitamente é o da constelação Planet. Essa constelação é composta por 150 nano satélites que adquirem dados de 12 bits diariamente. Normalmente, eles são disponibilizados com resoluções espaciais que variam de 3 a 3,9 metros. Esses dados são comercializados, mas uma iniciativa do Norway’s International Climate & Forests Initiative — NICFI disponibiliza, para as áreas da faixa intertropical, dados VNIR (4 bandas espectrais, mais uma banda de qualidade) com pixel de 4,77 metros de resolução espacial e resolução temporal bianual de dezembro de 2015 até agosto de 2020; a partir de setembro de 2020 em diante, ela é mensal. Basta fazer seu cadastro em https://www.planet.com/nicfi/ e baixar as cenas para trabalhar.

A meu ver, os dados com maior resolução espacial disponíveis a custo zero e com muita qualidade são os da Câmera Multiespectral e Pancromática de Ampla Varredura — WPM, do CBERS 4A. Esses dados são geometricamente ajustados entre a multi e a pancromática, o que dispensa o registro imagem a imagem. Só o processo de fusão é necessário e pode ser realizado facilmente no Orfeo ToolBox. Com 4 bandas espectrais cobrindo o VNIR com 8 metros e uma banda pancromática de 2 metros, ambos conjuntos de dados com 10 bits de resolução radiométrica, eles são muito bons e nos permitem trabalhar bem até 1:2.500. O fator limitante nesse caso é a temporalidade: só se disponibiliza uma cena de uma área específica a cada 31 dias. Além disso, às vezes, aparecem cenas com alguma inconsistência radiométrica em algumas partes da cena. Existe um site específico para os dados CBERS 4A que é o http://www2.dgi.inpe.br/catalogo/explore e o acesso aos dados é facílimo — no dia em que eles foram disponibilizados para o público, gravei um vídeo mostrando o passo a passo. Ele está disponível no meu canal no YouTube (https://youtu.be/cMgVfT5cBEo).

Na figura abaixo, foi realizada uma comparação, num trechinho da zona sul do Rio de Janeiro, entre os dados desses três sistemas sensores, em falsa cor, pois, como mencionado, o sensor PAN do CBERS 4 não permite composições de cor real (Figura 3).

Figura 3 — Zona Sul destacando o Jardim de Alah, RJ, com composição de falsa cor comparando os dados CBERS 4, Planet e CBERS 4A.

Com o acesso gratuito a esses dados orbitais e com a disponibilidade de softwares de custo zero, a utilização desses dados de alta resolução espacial, seja para estudos intraurbanos, seja para estudos ecossistêmicos com maior nível de detalhamento, é cada vez mais possível e mais acessível ao grande público e, com isso, a possibilidade de trabalhar em escalas de maior detalhe se amplia.

As alternativas podem ser ainda restritas, mas acredito que essa disponibilidade de forma gratuita seja uma tendência. Por enquanto, fica a dica para a utilização desses três sistemas sensores.

Um grande abraço!

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Prof Gustavo Baptista

🌎 Geógrafo, PhD, youtuber e podcaster. 🛰 Há mais de 30 anos formando profissionais que atuam nO Fascinante Mundo do Sensoriamento Remoto🛰